Bárbara P. de Morais, Especialista de produtos Labtest

Dia 28 de julho é o Dia Mundial de Luta Contra as Hepatites Virais, data instituída em maio de 2010, durante a 63ª Assembleia Mundial da Saúde, organizada pela Organização Mundial da Saúde (OMS). A data faz um apelo global para uma resposta integral na luta contra a Hepatite, segundo a Organização Pan-americana de Saúde (OPAS). O slogan deste ano é “Um Futuro Livre de Hepatite”. 

As Hepatites Virais são causadas por cinco principais agentes etiológicos: HAV, HBV, HCV, HDV e HEV. Já tratamos dos principais aspectos dos vírus e das doenças causadas por eles no artigo Maio Vermelho: saiba mais sobre as Hepatites Virais. Sumarizados, nas tabelas 1 e 2, estão as principais informações sobre as Hepatites Virais, suas formas de transmissão, possibilidade de cronicidade, vacina e tratamento.

Tabela 1: Hepatites Virais – Material genético viral, formas de transmissão e cronicidade (adaptada)1

*Progressão da doença para um estado crônico. 

Tabela 2: Hepatites Virais – Diagnóstico, Vacina e Tratamento (adaptada)3. 

 

Duas doenças destacam-se: a Hepatite B e a Hepatite C, que levam a doenças crônicas e, juntas, são a causa mais comum da cirrose, câncer no fígado e mortes devido às Hepatites Virais. Segundo a OMS, estima-se que 325 milhões de pessoas no mundo vivem com Hepatite B e/ou C. De acordo com a estratégia global para as Hepatites, definida pelo mesmo órgão, entre 2016 e 2030, espera-se reduzir as novas infecções em 90% e mortes em 65%. 

Por representarem um grande problema de saúde pública, o Dia Mundial de Luta Contra as Hepatites Virais tem um papel essencial na prevenção, alerta e conscientização da população em geral. No Brasil, a campanha do Julho Amarelo, mês de luta contra as Hepatites Virais, instituído desde 2019, reforça as ações de vigilância, prevenção e controle destas doenças.

Neste artigo, vamos abordar as Hepatites B e C, destacando alguns aspectos relevantes destas doenças, seus principais marcadores sorológicos e como é realizado o diagnóstico laboratorial. 

 

A  Hepatite B

A Hepatite B é causada pelo vírus da Hepatite B (HBV), pode levar à doença aguda ou crônica e possui cinco marcadores sorológicos principais, conforme mostrado na Tabela 3. A prevalência da doença é considerada alta em algumas regiões do mundo, como no Pacífico Ocidental e na África, com 6,2 e 6,1% da população adulta infectada. Já nas Américas, a prevalência é de 0,7%.

Tabela 3: Hepatites Virais e seus principais marcadores sorológicos (adaptada)1

 

O curso sorológico desta doença ocorre, geralmente, como mostrado na figura 1. O período de incubação do vírus é, em média, de 75 dias. Entretanto, pode variar de 30 a 180 dias. O primeiro marcador presente na corrente sanguínea do indivíduo infectado é o HBSAg. O antígeno de superfície da Hepatite B (HBsAg), antes conhecido como antígeno Austrália, foi descoberto em 1966. Esta descoberta e sua associação ao HBV levou à caracterização epidemiológica e bioquímica da Hepatite B. Geralmente, é detectado entre 2 semanas e 2 meses antes do aparecimento dos sintomas e cerca de 2 semanas após a infecção. Sua presença indica doença ativa, aguda ou crônica, e é o marcador de escolha para triagem, com o principal objetivo de prevenir a transmissão do HBV. 

Figura 1: Representação esquemática do curso sorológico da Hepatite B (adaptada)1

 

O primeiro anticorpo a surgir na janela imunológica da doença é anti-HBc e, em pacientes em que o HBsAg torna-se indetectável, este é um indicador de infecção recente. Metodologias disponíveis no mercado são capazes de identificar anti-HBc total e anti-HBc IgM, sendo este último considerado um marcador para o diagnóstico da doença aguda. Na fase aguda, os níveis de anti-HBc IgM aumentam rapidamente, tornando-se negativos entre 3 e 9 meses na maioria dos pacientes, embora possam persistir por vários anos. 

Além do HBsAg, outro antígeno também é um marcador importante no curso sorológico da Hepatite B: o antígeno do envelope da Hepatite B (HBeAg). Ele indica replicação viral e doença ativa, seja aguda ou crônica.  Ademais, dois anticorpos presentes na fase convalescente da doença também são importantes: anti-HBe e anti-HBs. O surgimento destes indica recuperação, sendo este último o marcador para a imunidade. Como mostrado na figura 1, anti-HBe e anti-HBs aparecem mais tardiamente durante o curso da doença. 

Coinfecções com outras doenças são importantes, quando se trata da Hepatite B. Cerca de 1% das pessoas que vive com Hepatite B estão coinfectadas com HIV. A prevalência da Hepatite B na população de indivíduos infectados com HIV é de 7,6%. Outra coinfecção importante é com a Hepatite D. O HDV é um vírus dependente do HBV para seu processo de replicação. Aproximadamente 5% da população mundial com Hepatite B crônica é afetada pela Hepatite D. A coinfecção com Hepatite D é considerada a forma crônica mais grave das Hepatites Virais e pode explicar 1 a cada 5 casos de doença e câncer no fígado em pessoas com Hepatite B, de acordo com o estudo publicado no Journal of Hepatology (2020)4

O diagnóstico laboratorial da Hepatite B é feito através de imunoensaios para detecção dos marcadores sorológicos mencionados na tabela 3 e por PCR, para identificação do DNA viral. Entre os imunoensaios utilizados, encontram-se os testes rápidos que empregam metodologia imunocromatográfica para detecção do analito de interesse. 

De acordo com o Manual Técnico para o Diagnóstico das Hepatites Virais2, testes rápidos para HBsAg podem ser utilizados como triagem para o diagnóstico da Hepatite B, considerando os algoritmos apresentados nesse manual, se o resultado do teste rápido for reagente, o diagnóstico deve ser complementado com teste molecular ou com imunoensaio para detecção de anti-HBc total. Se o resultado do teste rápido for não reagente e houver suspeita de infecção pelo HBV, um novo teste deve ser realizado após 30 dias. Para verificar o estadiamento da doença, outros marcadores devem ser solicitados, conforme indicado no Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para Hepatite B e Coinfecções. 

 

A  Hepatite C 

A Hepatite C é a maior causa de câncer no fígado. Seu agente etiológico é o vírus da Hepatite C (HCV) e, assim como na Hepatite B, a doença pode ser aguda ou crônica. É, geralmente, assintomática na doença aguda e cerca de 30% das pessoas infectadas eliminam o vírus espontaneamente, em um período de 6 meses, sem necessidade de tratamento. Entretanto, os 70% restantes podem desenvolver a Hepatite C crônica.  

É relatada em todo o mundo e as regiões de maior prevalência da doença são Mediterrâneo Oriental e Europa, atingindo 2,3 e 1,5% da população, respectivamente, no ano de 2015. Nas demais regiões, a prevalência varia entre 0,5 e 1,0%. 

No curso da doença, o HCV pode induzir uma forte resposta imune inata. Entretanto, esta pode ser localizada ou transiente em pacientes que devolvem a doença crônica. O período de incubação do vírus é de 15 a 150 dias. 

O diagnóstico laboratorial é feito por imunoensaios, incluindo testes rápidos, para detecção de anticorpos específicos (anti-HCV) e antígeno do core do HCV. E, também, através de teste molecular para identificação do RNA viral. A OMS indica que o diagnóstico seja realizado em duas etapas: teste para detecção de anticorpos específicos anti-HCV, que indicam se o indivíduo foi infectado pelo vírus, e teste molecular para confirmação da cronicidade da doença. 

De acordo com o Manual Técnico para o Diagnóstico das Hepatites Virais2, os testes rápidos para detecção de anti-HCV são indicados como triagem para o diagnóstico da Hepatite C. Considerando os fluxogramas apresentados nesse manual, se o resultado do teste rápido for reagente, o diagnóstico deve ser complementado com teste para detecção direta do vírus (RNA viral ou o antígeno). Se o resultado for não reagente e, permanecendo a suspeita de infecção pelo HCV, um novo teste deve ser realizado após 30 dias. Para indivíduos menores de 18 meses, o diagnóstico é feito exclusivamente através da detecção do RNA viral, por meio de técnicas de biologia molecular, sendo indicada a realização de duas testagens para confirmação da doença, com intervalo de 6 a 12 meses entre elas. 

 

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Referências 

  1. Turgeon, M.L. Immunology & Serology in Laboratory Medicine. Elsevier. 2014, 5ª edição
  2. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância, Prevenção e Controle das Infecções Sexualmente Transmissíveis, do HIV/Aids e das Hepatites Virais. Manual Técnico para o Diagnóstico das Hepatites Virais / Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de Vigilância, Prevenção e Controle das Infecções Sexualmente Transmissíveis, do HIV/Aids e das Hepatites Virais. – Brasília: Ministério da Saúde, 2016. 121 p.: il. http://www.aids.gov.br/pt-br/pub/2015/manual-tecnico-para-o-diagnostico-das-hepatites-virais, acessado em 27/07/2020.
  3. Revista SBAC no Laboratório. Avanço no combate às Hepatites Virais.Nº 001, Janeiro 2016, p. 8-10.
  4. Stockdale AJ, Kreuels B, Henrion MYR, Giorgi E, Kyomuhangi I, de Martel C, Hutin Y, Geretti AM (2020). The global prevalence of hepatitis D virus infection: systematic review and meta-analysis. J Hepatol. Published online 23 April 2020; https://doi.org/10.1016/j.jhep.2020.04.008