Realizada neste mês, a campanha do Maio Vermelho visa a conscientização e o alerta sobre as Hepatites Virais. Trata-se de inflamações no fígado, causadas por vírus, que geram preocupação no Brasil e no mundo em consequência do avanço no número de casos e pela falta de vacina e/ou tratamento para alguns tipos de Hepatites Virais. 

Elas são decorrentes de cinco principais agentes etiológicos: vírus da Hepatite A (HAV), vírus da Hepatite B (HBV), vírus da Hepatite C (HCV), vírus da Hepatite D (HDV) e vírus da Hepatite E (HEV)

As Hepatites Virais no Brasil 

De acordo com o Boletim Epidemiológico de Hepatites Virais – 2019, entre 1999 e 2018, foram notificados no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), 632.814 casos confirmados de Hepatites Virais no Brasil. Segundo o documento, 167.108 (26,4%) são referentes aos casos de Hepatite A, 233.027 (36,8%) aos de Hepatite B, 228.695 (36,1%) aos de Hepatite C e 3.984 (0,7%) aos de Hepatite D. 

A distribuição proporcional dos casos varia entre as cinco regiões brasileiras. A região Nordeste concentra a maior proporção das infecções pelo vírus da Hepatite A (30,3%). Na região Sudeste, verificam-se as maiores proporções das Hepatites B e C, com 34,9% e 60,0%, respectivamente. Por sua vez, a região Norte acumula 74,9% do total de casos de Hepatite D. 

Somente em 2017, o país registrou 40.198 novos casos de Hepatites Virais, de acordo com o Ministério da Saúde (MS). Para saber mais detalhes dessas estatísticas, acesse o Boletim Epidemiológico de Hepatites Virais – 2019.  

Os sintomas, a classificação da doença e o risco de coinfecção

De acordo com o Ministério da Saúde, os sintomas mais comuns das Hepatites A e B costumam ser: dor ou desconforto abdominal, dor muscular, fadiga, náusea e vômitos, perda de apetite, febre, urina escura, amarelamento da pele e dos olhos.  

Já os sintomas da Hepatite C mais frequentes são dor ou inchaço abdominal, fadiga, náusea e vômitos, perda de apetite, febre, urina escura, coceira, amarelamento da pele e olhos, sangramento no esôfago ou no estômago.

Contudo, é importante ressaltar que estas doenças podem ser assintomáticas e o aparecimento dos sintomas pode ocorrer apenas em fases mais adiantadas das doenças, com grande comprometimento fígado e das suas funções.

Quanto à classificação, há a doença aguda e crônica. O que distingue uma da outra é a permanência da replicação viral por mais de 6 meses na doença crônica. “Se a doença for aguda, a replicação viral diminui em determinado ponto da janela imunológica, com a elevação dos níveis de anticorpos”, explica Bárbara de Morais, especialista de produtos da Labtest. Em casos crônicos, “o vírus continua ativo, se replicando, e os anticorpos produzidos não conseguem eliminá-lo de forma eficiente”, complementa Bárbara. 

Outro ponto importante é a possibilidade de coinfecção. Algumas Hepatites Virais são classificadas como Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs) e podem ser contraídas por indivíduos que já tenham outras doenças. “O fato de alguns desses vírus serem transmitidos sexualmente pode gerar coinfecção junto a outras doenças graves e que não tem cura, como o HIV”, explicou a especialista.  

Os diferentes vírus causadores das Hepatites Virais

Vírus da Hepatite A (HAV)

Pertencente à família Picornaviridae e ao gênero Hepatovirus, o vírus da Hepatite A (HAV) é um vírus de RNA fita simples positivo. A sua principal forma de transmissão é a via fecal-oral, por contato entre pessoas ou por meio de água e alimentos contaminados. A transmissão por via parenteral (contato com sangue ou hemoderivados contaminados) é rara. A transmissão sexual também não é comum, embora surtos tenham sido observados nas Américas e na Europa. 

A Hepatite A possui vacina, entretanto, não tem tratamento. O diagnóstico é feito através de imunoensaios que detectam os anticorpos anti-HAV IgM e IgG. 

“O anticorpo IgM é um excelente marcador precoce da infecção por HAV. O anti-HAV IgM pode ser detectado entre 5 e 10 dias após a infecção e, comumente, aparece antes da elevação dos níveis das transaminases ALT/TGO e AST/TGP. Já o anticorpo anti-HAV IgG surge logo após o aparecimento do IgM e permanece ao longo de toda a vida do paciente, conferindo-lhe imunidade”, explicou Bárbara.

Vírus da Hepatite B (HBV)

Pertence à família Hepadnaviridae e ao gênero Orthohepadnavirus, o vírus da Hepatite B (HBV) é um vírus de DNA. A Hepatite B, doença causada pelo HBV, é considerada uma IST, sendo transmitida pela via sexual. Contudo, também pode ser transmitida por via parenteral. Outra forma de transmissão importante é a vertical, de mãe para filho, sendo frequente em regiões endêmicas. Esta doença possui vacina e tratamento, integrando o calendário nacional de vacinação, sendo feita, normalmente, em três doses. 

São cinco os marcadores sorológicos importantes no diagnóstico da Hepatite B: dois antígenos e três anticorpos. Os antígenos de superfície e do envelope: HBsAg HBeAg, respectivamente. E os anticorpos de superfície anti-HBs, do envelope anti-HBe e do núcleo (core) anti-HBc.

No curso da resposta imunológica, após a infecção pelo HBV, cada um desses marcadores tem sua importância. De modo geral, os antígenos são mais precoces e os anticorpos mais tardios. Dentre estes marcadores, dois se destacam em diferentes produtos do mercado: o antígeno de superfície (HBsAg) e o anticorpo de superfície (anti-HBs)

“Esses dois marcadores são muito utilizados em diferentes produtos para fins de diagnóstico da Hepatite B. O antígeno indica a fase aguda da doença e, nesta fase, ainda temos a presença do vírus. Já o anticorpo é utilizado em duas situações, tanto para auxiliar a compreensão do curso da doença quanto como marcador para a  imunização”, explicou Bárbara. 

O valor de referência considerado para imunização é de 10 mUI/mL para dosagem do anticorpo anti-HBs. “Se o resultado for inferior a esse valor, o indivíduo não é considerado imunizado”, salientou a especialista de produtos. 

“Além dos testes sorológicos, outro ensaio que pode ser realizado para o diagnóstico da Hepatite B é o de detecção do material genético viral, neste caso DNA, por meio de técnicas de biologia molecular, que identificam a presença do vírus”, acrescentou Bárbara.

Vírus da Hepatite C (HCV)

Pertencente à família Flaviridae e ao gênero Hepacivirus, o vírus da Hepatite C (HCV) é um vírus de RNA fita simples positivo. Anteriormente conhecida como       “Hepatite não A não B”, a principal forma de transmissão da Hepatite C é por via parenteral. A transmissão pela via sexual é menos frequente, mas pode ser facilitada pela existência de alguma IST, como o HIV, levando a um quadro de coinfeção. Já a transmissão vertical é rara, se comparada à Hepatite B.

A Hepatite C não possui vacina, mas tem tratamento. O diagnóstico é feito por meio de imunoensaios para detecção de antígenos e anticorpos. Também são empregadas metodologias complementares, capazes de identificar o material genético do vírus. 

“Os produtos para detecção de anticorpos específicos do vírus da Hepatite C, geralmente, identificam anticorpos totais. O que significa que este tipo de produto não faz a diferenciação das classes de anticorpos anti-HCV, que são formados durante o curso da resposta imunológica desta doença”, afirmou Bárbara.

Vírus da Hepatite D (HDV)

Pertencente à família Deltaviridae e ao gênero Deltavirus, o vírus da Hepatite D (HDV) é um vírus de RNA circular fita simples. Antes conhecido como agente Delta, as principais formas de transmissão são as mesmas que as do HBV, devido à dependência entre esses dois vírus. 

A Hepatite D não possui vacina nem tratamento, embora possa ser prevenida através da vacinação para Hepatite B. O diagnóstico é feito por imunoensaios para detecção de anticorpos anti-HDV e do antígeno HDV-Ag, além da pesquisa do material genético viral. 

“A resposta imunológica após a infecção pelo HDV ainda não foi totalmente elucidada pela comunidade científica e como esta infecção está associada à do HBV, a pesquisa pelos marcadores da Hepatite D também deve ser realizada em indivíduos que apresentem resultado reagente para HBsAg ou que residam em áreas endêmicas da Hepatite B”, explicou a especialista.

Vírus da Hepatite E (HEV)

Pertencente à família Hepeviridae e ao gênero Hepevirus, o vírus da Hepatite E (HEV) é um vírus de RNA simples positivo. Sua transmissão ocorre através da via fecal-oral e, assim como a Hepatite D, não possui vacina nem tratamento. O diagnóstico é feito através de imunoensaios para detecção de anticorpos e por biologia molecular para identificação do RNA viral. 

“Os anticorpos anti-HEV IgM podem ser utilizados no diagnóstico da infecção recente, embora os anticorpos anti-HEV IgG também possam ser encontrados no início da infecção”, explicou Bárbara.

Metodologias para detecção dos marcadores das Hepatites Virais

Apesar das Hepatites Virais terem diversos marcadores específicos, algumas alterações nos exames de rotina são encontradas em pacientes, como as transaminases, ALT/TGP e AST/TGO, que quando elevadas indicam lesões no fígado e são marcadores específicos para danos neste órgão; e outras alterações na bilirrubina, fosfatase alcalina e linfócitos, que são inespecíficas e podem ocorrer em outras doenças. 

Os marcadores específicos podem ser determinados em amostras de soro, sangue, plasma ou fluido oral de indivíduos infectados por algum dos vírus.

A detecção dos ácidos nucleicos que constituem o material genético viral pode ser feita por biologia molecular, empregando-se duas técnicas principais: RT-PCR (reação em cadeia polimerase precedida de transcrição reversa) e PCR (reação em cadeia polimerase). “Para HBV, por tratar-se de um vírus de DNA, utiliza-se a PCR. Já para HAV, HCV, HDV e HEV, é preciso realizar a conversão do RNA viral em DNA complementar (cDNA) para, então, realizar-se amplificação e detecção do material genético, através da técnica de RT-PCR”, explica a especialista de produtos. 

Já para os imunoensaios, que são empregados na detecção de antígenos e anticorpos, há diferentes metodologias: 

  • Metodologia Imunoenzimática: ELISA (Enzyme-Linked Immunosorbent Assay) e ELFA (Enzyme-Linked Fuorescent Assay). 
  • Metodologias Luminescentes: Quimioluminescência e Eletroquimioluminescência. 
  • Metodologia Imunocromatográfica:  Imunocromatografia ou testes rápidos. 


O Ministério da Saúde (MS) recomenda que a sensibilidade e especificidade clínica mínima para testes rápidos utilizados no auxílio ao diagnóstico das Hepatites sigam alguns critérios:

  • HBV: sensibilidade clínica mínima de 99.5% e especificidade clínica mínima de 99.4%. 
  • HCV: sensibilidade clínica mínima de 99.4% e especificidade clínica mínima de 99.4%. 

“Esses critérios são adotados pelos testes que o MS disponibiliza na rede pública de saúde”, salientou Bárbara. 

A Organização Mundial da Saúde (OMS) também estabelece critérios de aceitação de testes rápidos para detecção de marcadores que auxiliam o diagnóstico das Hepatites B e C.

  • HBsAg: sensibilidade de 100% e especificidade superior ou igual a 98%.
  • anti-HCV: sensibilidade superior ou igual a 98% e especificidade superior ou igual a 97%.


Está com suspeita de alguma das Hepatites Virais? Procure ajuda médica. O Sistema Único de Saúde (SUS) disponibiliza tratamento para todos, independentemente do grau de lesão do fígado, para não evoluir para casos mais graves, como cirrose ou câncer de fígado.

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Referências

TURGEON M.L. Immunology & Serology in Laboratory Medicine. Elsevier. 2014, 5ª edição

Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância, Prevenção e Controle das Infecções Sexualmente Transmissíveis, do HIV/Aids e das Hepatites Virais. Manual Técnico para o Diagnóstico das Hepatites Virais / Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de Vigilância, Prevenção e Controle das Infecções Sexualmente Transmissíveis, do HIV/Aids e das Hepatites Virais. – Brasília: Ministério da Saúde, 2016. 121 p.: il

Revista SBAC no Laboratório. Avanço no combate às Hepatites Virais.Nº 001, Janeiro 2016, p. 8-10.